Julho de 2010, inverno, Dourados, Mato Grosso do Sul, nossos pés tocaram o campo missionário transcultural pela primeira vez. O segundo maior continente populacional indígena do Brasil. Cheiro de terra e cheiro de fumaça vindo pelo fogo de chão feito pelos indígenas para se aquecerem. As crianças corriam ligeiras rindo ao som da nossa voz, às vezes ao contato, algumas falavam melindrosas somente a língua da sua etnia.
Mudança feita, deixamos Uberlândia recém-casados com um sonho romântico de missões na mochila, tudo encanta e deslumbra. Passamos a lidar com três etnias Kaiuá, Terena e Guarani. Mas a vida segue e barreiras surgem, como enfermeira lembro- me no início da necessidade de pensar em melhorias para o hospital que atendiam às minhas necessidades e não as deles, evangelismo feitos com tanta dedicação, porém sem contextualização. Tudo muito visceral, muita paixão e pouco treinamento, pouca noção antropológica da missão.
Na rotina diária, veio o choque cultural, as incapacidades de comunicação plena por não dominar o idioma, por vezes nos colocaram em situações constrangedoras.
Não entender o posicionamento do indígena frente à morte por vezes me fez estar revoltada com eles, por que não choram como deveriam chorar? Equivocadamente o Missionário pode levar consigo a concepção de que além do Evangelho ele foi levado doutrinar os povos na sua cultura. Afinal de contas não existe cultura certa ou errada e sim Evangelho certo e este último é o que redime todas as culturas.
Cinco anos estivemos em meio aquele povo mais aprendendo do que ensinando de fato. Houve a construção de uma nova visão (cosmovisão) após essa experiência. Porém, não terminava aí, ao voltar para a cidade o choque reverso surgiu, a estranha sensação de pertencer a tudo e não pertencer a lugar algum, o sentimento de se ver deslocado dentro da sua própria cultura.
Precisamos estar abertos para uma transformação, o missionário passa ser cidadão do mundo pois como Pedro diz somos peregrinos nesta terra, sendo a nossa pátria a celestial.
APRENDENDO COM OS ERROS
Segundo Paul Hiebert, devemos entrar na nova cultura como aprendizes, somente então estaremos aptos a comunicar o Evangelho de maneira que as pessoas o entendam.
O choque cultural pode ser muito severo caso não tenhamos essa realidade em mente trazendo desorientação emocional, doenças físicas e até mesmo depressão psicológica e espiritual.
Setembro de 2017, treinamento de formação missionária do Movimento Barnabé, aula de Benjamin Reyes compartilhando o texto de João 20:21 onde Cristo envia seus discípulos da mesma forma como foi enviado. Quando tive essa clareza percebi a quantidade de erros que havíamos cometido no campo missionário. A exemplo de Cristo, é preciso “nascer" naquela nova cultura, recebê-la como aprendizes e não tentar modificá-la, esse não é o principal foco da missão, nunca foi e nunca será. Compreender esse conceito nos aproxima do verdadeiro objetivo de propagar a Boa Nova de modo que haja significado para quem o recebe.
Artigo por Veridiana Bernardes Santana Marcelino
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